A hiperacusia e misofonia são condições que envolvem uma sensibilidade sonora intensa, que pode transformar o ambiente cotidiano de um paciente em uma fonte constante de desconforto e até sofrimento. Essas condições, embora relacionadas ao sistema auditivo, apresentam um componente neurológico e emocional muito significativo, tornando o tratamento um desafio complexo. Compreender a plasticidade neural no sistema auditivo é um passo fundamental para o desenvolvimento de terapias eficazes que possam melhorar a qualidade de vida desses pacientes ao promover a reabilitação auditiva.
Neste artigo, exploramos como a plasticidade neural — a capacidade do cérebro de se reorganizar e adaptar — pode ser aproveitada na reabilitação auditiva para o tratamento da hiperacusia e misofonia. Apresentaremos os fundamentos neurocientíficos dessas condições, discutiremos as evidências clínicas mais recentes e abordaremos estratégias terapêuticas que se baseiam nesse conhecimento.
O que é plasticidade neural e por que ela importa na reabilitação auditiva?
A plasticidade neural é a habilidade do sistema nervoso central de modificar sua estrutura e função em resposta a estímulos internos e externos. Essa capacidade não está restrita à infância, mas se mantém ao longo da vida, permitindo que o cérebro aprenda, se adapte a lesões e melhore funções alteradas.
No contexto auditivo, a plasticidade neural é crucial porque o processamento dos sons não é apenas passivo: o cérebro interpreta, amplifica ou inibe informações sonoras. Quando essa dinâmica é alterada, pode surgir uma sensibilidade sonora aumentada, como na hiperacusia, ou uma reação emocional exagerada a sons específicos, característica da misofonia.
Ao entender a plasticidade neural, os profissionais da saúde podem direcionar terapias que modulam essas conexões de maneira positiva, promovendo a dessensibilização e a readequação da percepção sonora.
Como o cérebro processa os sons: plasticidade adaptativa vs. mal adaptativa
O sistema auditivo é formado por estruturas periféricas, como o ouvido, e centrais, como o córtex auditivo, além de regiões límbicas que regulam as respostas emocionais ao som. A plasticidade adaptativa ocorre quando o cérebro aprende a filtrar ruídos e ajustar a sensibilidade de acordo com a necessidade, contribuindo para uma percepção equilibrada.
Por outro lado, a plasticidade mal adaptativa ocorre quando o cérebro amplia respostas auditivas de forma desproporcional, muitas vezes em decorrência de trauma auditivo, estresse ou processos neuroinflamatórios. Essa amplificação desregulada é o que ocorre na hiperacusia e na misofonia, gerando desconforto e reações emocionais intensas, mesmo para sons cotidianos.
Entender essa diferença é fundamental para o desenvolvimento de protocolos que promovam a reorganização cortical saudável, revertendo os padrões disfuncionais.
Hiperacusia e misofonia: conexões neurológicas e emocionais
Apesar de ambas envolverem sensibilidade sonora, hiperacusia e misofonia possuem nuances que refletem suas bases neurológicas. Na hiperacusia, o aumento da sensibilidade pode estar associado a alterações nas vias auditivas centrais e a um desequilíbrio na inibição neural, que faz com que sons comuns sejam percebidos como excessivamente altos ou incômodos.
Já na misofonia, a ativação exagerada da amígdala — estrutura responsável pelo processamento emocional — gera respostas intensas a sons específicos, muitas vezes relacionados a comportamentos humanos (como mastigar ou respirar). Essa ligação direta entre percepção sonora e emoção explica por que a misofonia pode provocar irritação, ansiedade e até ataques de pânico.
Estudos de neuroimagem demonstram que pacientes com misofonia apresentam maior conectividade entre áreas auditivas e límbicas, evidenciando a influência emocional na percepção sonora. Compreender essas conexões ajuda o clínico a reconhecer a necessidade de um tratamento que vá além do simples controle do estímulo sonoro.
Evidências científicas que fundamentam a reabilitação auditiva
Nos últimos anos, avanços significativos na neurociência auditiva têm reforçado o uso da plasticidade neural como base para a ressignificação ou a reabilitação da hiperacusia e misofonia. Uma das abordagens mais estudadas é a Terapia Sonora, que utiliza estímulos sonoros controlados para promover a habituação — ou seja, a diminuição da resposta excessiva a determinados sons.
Estudos clínicos mostram que a exposição gradual a sons previamente incômodos, em ambientes controlados e supervisionados, pode reduzir significativamente os sintomas em pacientes com hiperacusia. Essa terapia estimula o córtex auditivo a reorganizar suas conexões, restabelecendo a modulação adequada do processamento sonoro.
Além disso, técnicas de habituação associadas ao treinamento auditivo cognitivo auxiliam na melhoria do processamento auditivo central. Exercícios específicos treinam o cérebro para filtrar sons e gerenciar a resposta emocional, um aspecto essencial especialmente na misofonia.
Estratégias terapêuticas atuais fundamentadas na plasticidade neural
A partir da compreensão das bases neurobiológicas dessas condições, diferentes estratégias têm sido integradas ao tratamento para facilitar a reabilitação auditiva:
- Terapia sonora: exposição gradual e controlada a sons com o objetivo de dessensibilizar o sistema auditivo, reduzindo a hipersensibilidade.
- Treinamento auditivo cognitivo: exercícios que estimulam o processamento auditivo e a atenção, promovendo a reestruturação neural.
- Técnicas comportamentais e mindfulness: ajudam a reduzir a resposta emocional negativa aos sons, melhorando o manejo do estresse e da ansiedade associados.
- Fármacos e neuromodulação: em casos selecionados, são usados para modular a atividade cerebral e auxiliar no controle dos sintomas, sempre como complemento às terapias não farmacológicas.
O ideal é que a intervenção seja personalizada, considerando a história clínica, a intensidade dos sintomas e a resposta do paciente ao tratamento.
A importância do diagnóstico preciso e do trabalho multidisciplinar
Para alcançar resultados efetivos, o diagnóstico correto da hiperacusia e misofonia é imprescindível. Ferramentas como a acufenometria possibilitam a quantificação da sensibilidade sonora, enquanto avaliações clínicas e psicológicas ajudam a mapear o impacto emocional.
O trabalho integrado entre otorrinolaringologistas, fonoaudiólogos, psicólogos e fisioterapeutas possibilita uma abordagem completa, alinhando aspectos auditivos, emocionais e comportamentais. Esse alinhamento é a chave para potencializar a plasticidade neural de forma positiva, promovendo uma reabilitação auditiva mais eficaz.
A transformação do cuidado auditivo em primeira pessoa
Mais do que um conjunto de técnicas ou protocolos, a ressignificação ou reabilitação da hiperacusia e misofonia com base na plasticidade neural é uma jornada de transformação para pacientes e profissionais. É uma caminhada que exige paciência, conhecimento aprofundado e uma escuta atenta às particularidades de cada caso.
Cada pequena conquista — um som que deixa de ser um gatilho, uma ansiedade que diminui — reflete a capacidade incrível do cérebro de se reinventar. E, como profissionais da saúde, temos o privilégio de acompanhar e conduzir esse processo, fazendo do cuidado uma experiência que transcende o clínico.
O ISBO Cursos, sob a liderança da Dra. Sandra Bastos, está comprometido em oferecer a você, profissional, o conhecimento mais atual e prático sobre hiperacusia, misofonia e demais distúrbios auditivos.
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